Pandemia 2020: A cabeça de Bolsonaro

CRISE APÓS CRISE Bolsonaro em seu estado normal: irresponsabilidade consigo e com as outras pessoas (Crédito: Uesley Marcelino)
Os atos e as falas do presidente podem ser sinais de transtorno narcísico e lógica delirante. Mais grave, segundo a literatura médica, é a possível falta de empatia. Mas isso não o exime de responsabilidade. Ele sabe o que faz
Antonio Carlos Prado, ISTOÉ - A quase exoneração do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na semana passada, por Jair Bolsonaro, mostra que o presidente possui traços que podem apontar para um transtorno de personalidade narcísica, característica psiquiátrica que se manifesta pelo egocentrismo, ciúme e inveja. Como pode Mandetta ter índice de popularidade maior que o dele? Como pode Mandetta ser mais querido pela população? Bolsonaro já externou idêntico comportamento, em instantes políticos diversos, direcionado ao ministro da Justiça, Sergio Moro, e ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Ocorre, no entanto, que a realidade da pandemia nem é política, dá-se ela no estrito campo da medicina e da ciência — como toda peste, surge do imponderável. Mesmo assim, Bolsonaro tem ciúme e inveja, a sua cristaleira narcísica se espatifa em mil cacos pelo chão quando não consegue controlar o destino. Trata-se, talvez, de uma mente narcisicamente infantilizada. Sentir inveja de Mandetta é similar à situação do amante que tem ciúme e compete emocionalmente, por exemplo, com os filhos crianças da mulher casada com a qual ele se relaciona. Mandetta é o ministro da área em questão, é ele quem tem de comandar tudo, e ponto final. O saudável é torcer pelo seu sucesso e não invejá-lo. Não cabe ciumeira, ou seja: as atitudes do presidente estão fora do lugar, numa lógica que psicanalistas classificam como eventual “lógica delirante”.
Bolsonaro, devido à sua arrogância decorrente desse possível narcisismo, precisa criar inimigos, mas aí surgiu nele uma perplexidade: o vírus não foi criado por ninguém, nem por ele, o Messias! Aí vem, como explica o psicanalista Christian Dunker (fazendo a ressalva de que a sua observação não é um diagnóstico), a negação da gravidade da pandemia: “a negação é a mais simples atitude psíquica diante do desconhecido”. No liquidificador psíquico que é o mundo emocional de Bolsonaro, liquidificador ligado em alta rotação mas vazio, está o contato de si próprio com a sua fraqueza. Ele parte então para o ataque como forma de fugir desse confronto interior. Nasce, assim, a nuvem paranoica. “Bolsonaro ataca o adversário porque é consciente de sua fragilidade emocional”, diz o psicanalista Mário Corso (estabelecendo a mesma ressalva de seu colega). É desse sentimento que decorre a necessidade de ficar insistindo em falar que “quem manda sou eu, “o dono da caneta sou eu”. Ou, como o fez na terça-feira 31, em relação a Mandetta: “não se esqueça que eu sou o presidente”.

Ao sabor do vento
Aos eventuais narcisismo, paranoia e lógica delirante se juntam possivelmente outros componentes do temperamento (porção endógena da personalidade), e não menos significativos. Um deles é o messianismo, o outro é a recorrente falta de empatia. A insistência em falar da hidroxicloroquina, como se ele fosse um médico, indica o lado messiânico: a cura tem de vir dele, Bolsonaro, o Arnold Schwarzenegger do coronavírus. O quanto isso é irresponsável, não importa. Quanto à falta de empatia, que também implica ausência de responsabilidade consigo e com os outros, pode ser ela indicadora de transtornos de personalidade, segundo a “Classificação Internacional de Doenças” e o “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Desorders” (elaborado pela American Psychiatric Association). Bolsonaro não apresentou condolências aos familiares de mortos pelo vírus. Igual ausência de empatia exibiu quando, sem ter ainda em mãos a contraprova de seu teste, engrossou em Brasília manifestação a seu favor, expondo não apenas a si mas também outras pessoas ao risco de contraírem a doença. Repetiu igual comportamento em nova ocasião, cumprimentando com apertos de mãos aqueles que encontrava.
Ainda no contorno dessa provável falta de empatia localiza-se uma de suas falas, também recorrente. No combate à violência no Rio de Janeiro e na liberação da quarentena, ele vê a morte sem sentimento. Afirma: “vai morrer gente? Vai morrer gente! Mas todos nós vamos morrer um dia!”. Que medo! Bolsonaro não “enxerga” o outro, caindo no ridículo de dizer que o vírus, se o acometesse, seria uma gripezinha, dado o seu histórico de atleta. A foto, da qual se orgulha, mostra-o vencendo uma prova de atletismo nos tempos de Exército: ele cruza a linha de chegada parecendo mais um desses bonecos inflavéis que ficam se mexendo ao sabor do vento em postos de gasolina do que um corredor de verdade. Para Bolsonaro, tudo em Bolsonaro é perfeito. É doença? Claro que sim! Mas isso não o exime de responder pelos seus atos. Não há déficit cognitivo. Ele sabe o que faz.
Em seu delírio messiânico, o presidente Jair Bolsonaro imagina-se o Arnold Schwarzenegger do novo coronavírus — e o “deus” capaz de derrotar do dia para a noite a pandemia

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