Joio e trigo: Bolsonaro sanciona projeto que muda Lei de Improbidade Administrativa

 

Revista Consultor Jurídico - O presidente Jair Bolsonaro sancionou sem vetos o projeto que faz alterações na Lei de Improbidade Administrativa (LIA), nesta terça-feira (26/10). Pelo novo texto, que virou a Lei 14.230, passa a ser exigida comprovação de dolo para condenação de agentes públicos por crimes de improbidade.

Em outro trecho, a nova lei cria prazos de prescrição ("vencimento" da possibilidade de condenar o gestor acusado de improbidade) que devem ser observados durante o processo. Se algum deles for ultrapassado, o processo deve ser arquivado. É a chamada prescrição intercorrente. Atualmente, o único prazo de prescrição possível é antes da abertura do processo.

Além disso, o Ministério Público passa a ser o único titular possível de ações de improbidade — hoje, qualquer pessoa jurídica pode fazê-lo. A partir desta terça, com a sanção da lei, o MP terá prazo de um ano para manifestar interesse em assumir os processos já abertos. Aqueles que não forem reivindicados dessa maneira serão arquivados.

Na opinião de Rafael Carneiro, sócio do escritório Carneiros e Dipp Advogados e professor do IDP, as alterações no texto legal vão tornar a LIA mais justa.

"A nova lei traz avanços significativos que vão na linha do princípio da proporcionalidade exigido pela Constituição Federal. Assim, um agente público que cometa alguma falha administrativa que não gere qualquer prejuízo aos cofres públicos não poderá, a partir de agora, ter seus direitos políticos suspensos ou vir a perder a função pública. Por outro lado, a lei mantém punição severa para fatos graves, como atos de desonestidade, má-fé, enriquecimento ilícito e mau uso do dinheiro público. As mudanças consolidadas na lei trarão maior segurança jurídica aos gestores públicos e às empresas que contratam com a Administração Pública", afirmou o advogado. 

Para Maria Fernanda, advogada na área de Direito Público, com atuação consultiva e contenciosa, também professora da Escola de Gestão e Contas Públicas do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, a reforma da LIA passou a lotar as discussões sobre um possível afrouxamento da ampla temática do combate à corrupção. "A legislação, na verdade, acolheu o já antigo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que nem toda ilegalidade constitui ato de improbidade, sendo necessária a comprovação do elemento subjetivo doloso do agente. Neste aspecto, o §1º do artigo 11 passa a dispor, expressamente, que consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas."

"Apesar da polêmica que ainda reside nas significativas alterações, o fato é que o sistema anterior já não poderia persistir. Em verdade, a lei passa a ter alinhamento com as já discutidas alterações trazidas pela Lei nº 13.655/18 (LINDB), que dispõe sobre a inviabilidade de decisões consubstanciadas em valores jurídicos abstratos, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, o que facilmente se verificava quando da imputação do antigo artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa."

"Considerando este aspecto", continua a professora, "realinhar o sistema normativo não implica na mitigação do combate à corrupção, ao contrário, permite a perfeita adequação da conduta à norma jurídica, ou seja, maior rigor tipológico, indispensável pela própria natureza da ação de improbidade."

"Dentre as inúmeras novidades, tem-se ainda, a tão aclamada normatização da prescrição, que impede que as ações de improbidade se prolonguem num tempo desarrazoado, o que significa e traduz segurança jurídica", finaliza Maria Fernanda.

Veja as principais alterações da lei:

DoloOs atos de improbidade administrativa passam a depender de condutas dolosas. Foi suprimida a modalidade culposa. Exclui-se a necessidade de dolo específico dos atos de improbidade decorrentes do descumprimento da legislação de acesso à informação.
Nepotismo e promoção pessoalInseridos como novos tipos de improbidade o nepotismo (inclusive cruzado) até o terceiro grau para cargos de confiança e a promoção pessoal de agentes públicos em atos, programas, obras, serviços ou campanhas dos órgãos públicos.
Rol taxativoAs condutas consideradas como improbidade são apenas as listadas no texto da lei (hoje, a lista é considerada exemplificativa).
SançõesPrazo máximo de suspensão dos direitos políticos sobe para 14 anos (hoje o máximo são 8 anos); Valor máximo das multas aplicáveis cai em todos os casos.
Regras de prescriçãoA ação para a aplicação das sanções prescreverá em oito anos (prazo único), contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. Antes o prazo era de até cinco anos após o fim do mandato do acusado.
Prazo do inquéritoAumento do prazo do inquérito para um ano, prorrogável por mais uma única vez.
Ministério PúblicoO MP passa a ter exclusividade para propor ação de improbidade.
TransiçãoA partir da publicação da lei, Ministério Público terá um ano para manifestar interesse no prosseguimento de ações em curso. Processos sem essa providência serão extintos.
SucumbênciaRessalvou-se a condenação em honorários de sucumbência apenas para os casos de comprovada má-fé.
Agentes públicosSão definidos como agentes públicos o político, o servidor público e todos que exerçam, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas. As disposições previstas no projeto são aplicáveis também aos que, não sendo agente público, induzam ou concorram dolosamente para a prática de ato de improbidade.
Atos contra princípios da administração públicaPara atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública será exigido dano relevante para que sejam passíveis de sanção.

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