Pandemia 2020: O presidente abstrato

ALIENAÇÃO Jair Bolsonaro: pelo olhar, vai saber em que mundo ele está! Nesse é que não é (Crédito: JUSTIN LANE / EPA)
Antonio Carlos Prado, ISTOÉ - O Brasil tem um chefe do Poder Executivo alheio ao mundo real que alarga cada vez mais os descaminhos do País — isso ficou claro, novamente, no final da semana passada. Vale perguntar, então, para o mais empedernido dos bolsonaristas. O que o senhor acha de alguém que cumprimenta outra pessoa dando a mão com a qual acabou de esfregar o nariz para limpá-lo? Anti-higiênico? É bastante anti-higiênico, sim! Agora, o que o senhor acha de esse alguém se comportar de tal maneira em meio à pandemia cujo vírus tem, nas vias áreas superiores, o seu maior canal de transmissibilidade e recepção?
A resposta, é claro, não dá para ser diferente: além de anti-higiênico, o cidadão comete eventual crime contra a saúde pública envolvendo a disseminação de doença. Trata-se, obviamente, de Jair Bolsonaro, o presidente abstrato. Abstrato porque vive alienado ou se faz de alienado da realidade; abstrato porque está politicamente isolado; abstrato porque perdeu a racionalidade; abstrato porque enquanto aumenta o número de mortos no País, ele declarou, em teleconferência com evangélicos, que “o vírus está indo embora”. Curiosamente, no mesmo dia em que disse isso, o Brasil batia o triste recorde de duzentos e quatro mortos e seguia para quase três mil óbitos, enquanto o abstrato presidente declarara lá atrás que os falecimentos não chegariam a oitocentos. “Jair Bolsonaro é um criminoso de guerra, fazendo o que faz”, define o economista francês Pierre Salama.
Decidiu, assim, Jair Bolsonaro mais uma vez desrespeitar e desprezar as recomendações de distanciamento social reiteradas a cada dia pelo Ministério da Saúde como forma de conter a pandemia. Bolsonaro saiu borboleteando por Brasília, provocando aglomerações, ironizando de modo absurdo aqueles que defendem a quarentena. Ele já tinha feito isso em ocasiões anteriores, mas como não tem limites na deseducação, sempre surge uma novidade: a mão no nariz. Ele saía do prédio onde mora seu filho Jair Renan quando ocorreu o episódio nasal. Antes disso, visitara o Hospital Militar, declarando cheio de gracinhas (sem graça) e tolas que fora “fazer teste de gravidez”. Daí seguiu para uma farmácia e então resolveu visitar o filho. Ah, também esteve m Goiás, na inauguração do primeiro hospital de campanha do estado, na cidade de Águas Lindas. Também estiveram presentes o governador Ronaldo Caiado, que higienizou as mão do preisdente, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Houve muita gente reunida, é bem melhor, nos dias presentes, construir hospital mas deixar de lado a vaidade de estar presente na inauguração. Enfim, mais saúde e menos política. Pois bem, enquanto aguardam-se cenas dos próximos capítulos da abstração presidencial, o mandatário ganhou surpreendentemente um aliado. É Augusto Aras, procurador-geral da República, de quem se espera, até por dever de ofício, que zele pelo bem-estar de toda a sociedade.
Nada disso está ocorrendo. O presidente abstrato recebeu o apoio de Aras, para quem o presidente da República tem a prerrogativa de flexibilizar ou mesmo extinguir o profilático distanciamento social. Ou seja: segundo o procurador-geral, pode o mandatário intervir nas decisões dos estados e municípios. O argumento de Aras é tão abstratinho quanto as falas do presidente abstratão justificando a quebra da quarentena em nome do direito de ir e vir. É claro que tal direito faz parte das garantias fundamentais estabelecidas na Constituição, mas também é claro que em situações de calamidade pública, como a que tragicamente se vivencia, tal direito pode ser legalmente relativizado: é a vida humana que está em jogo. Aras também estabeleceu, ou, melhor, tentou estabelecer, que todas as sugestões que cheguem às mãos do ministro da Saúde, advindas do Ministério Público, sejam imediatamente encaminhadas à Procuradoria-Geral da República para exame. Aras foi duramente criticado nas duas inciativas que tomou. As sabotagens de Bolsonaro já são velhas conhecidas; a entrada de Aras em cena foi a estreia desastrada de quem almejava ser ao menos coadjuvante. Em meio à irresponsabilidade do presidente, a Câmara de Deputados anunciou na quarta-feira 15, que Bolsonaro terá um mês para tornar público o resultado de seu teste para coronavírus.
“Jair Bolsonaro é um criminoso de guerra, fazendo o que faz” Pierre Salama, economista francês especializado
em América Latina
“Vivemos em uma Federação”, disse o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, na segunda-feira 13. “Os estados têm certa autonomia, e a legitimação para atos voltados à saúde é comum a todos, incluídos os municípios. Seria um ato despropositado sob o ângulo constitucional”. Em duas ocasiões, o também ministro do STF Alexandre de Moares já decidiu nesse sentido. Esse foi o primeiro ponto negativo para Aras. O segundo veio de seus próprios colegas de Ministério Público, que veem até como uma tentativa de censura a exigência do procurador-geral para que as inúmeras propostas de combate ao novo coronavírus desembarquem em sua mesa. Também o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que defende até a prisão se a não adesão à quarentena chegar a ínfimos índices alarmantes, falou em defesa dos brasileiros. E foi direto ao ponto, ou seja, na terça-feira 14 colocou a mão na fogueira das vaidades. Em recado implícito ao presidente que está em realidade paralela e a todos que igualmente disputam holofotes, Moro disse: “nesse momento, não pode existir ninguém em sã consciência preocupado com popularidade”. O ministro está em boa fé democrática. Já o abstrato dono do concreto nariz antirrepublicano…

ANTI-HIGIÊNICO... e não sequência cumprimenta uma admiradora. Prova de seu distanciamento da realidade

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