Luiz Fernando Vianna: Neymar, o Peter Pan Sombrio

Neymar durante partida entre o PSG e o Liverpool Foto: Michael Regan / Getty Images

COMO PREVIU HÁ NOVE ANOS O TREINADOR RENÉ SIMÕES, O CRAQUE SE TORNOU UM MONSTRO. NÃO TEVE NEM TEM EDUCAÇÃO, MAS, AOS 27 ANOS, AINDA PODE MUDAR DE RUMO

“Está na hora de alguém educar esse rapaz ou vamos criar um monstro.” Já está inscrita na história do futebol a frase dita pelo treinador René Simões em 2010. Ele dirigia o Botafogo, que acabara de enfrentar o Santos, cujo principal jogador era Neymar.

Luiz Fernando Vianna, jornalista: Para quem ainda não assistiu, vale procurar na internet o vídeo da entrevista de Simões. São dois minutos e 44 segundos de contundência, acurácia e, agora é possível dizer, profecia. “Por enquanto, ele não é um homem, não é um grande jogador. Ele é um projeto disso tudo.” Neymar tinha 18 anos. Hoje tem 27. O projeto fracassou.
Não há dúvida de que se trata de um craque. Mas, por não ter tido educação e orientação necessárias, comete erros seguidos, falha em campo como falha fora dele. A obsessão em simular faltas é apenas a face mais caricata — e Simões já a condenava há nove anos. Outras escolhas são mais danosas a sua carreira.
Estava fazendo história no Barcelona, formando com Messi e Suárez um dos melhores ataques da história. Mas não lhe bastou ser coadjuvante, vestir a camisa 11. Tinha de ser o 10, a estrela. Foi para o Paris Saint-Germain, envolveu-se em contusões e confusões (deu um soco num torcedor em abril passado), não conquistou nada a não ser o fácil campeonato francês, não alçou o time a potência europeia, não conquistou a torcida.
Momento deplorável aconteceu em 17 de janeiro de 2018. O PSG ganhava de 7 a 0 do Dijon, e Cavani sofreu um pênalti. Se o uruguaio cobrasse e convertesse, passaria a ser o maior artilheiro da história do clube. Neymar fez questão de bater, marcou, mas foi vaiado pelos torcedores.
São frequentes notícias como as de que ele comprou jatinho, mansão na Costa Verde do Rio de Janeiro, gastou com isso e aquilo, inclusive pagando hospedagem em hotel de luxo para mulher que conheceu no Instagram. Mas é difícil ver na imprensa alguma informação sobre apoio dele a projetos sociais ou mesmo a instituições de caridade. No mínimo, não é prioridade em sua carteira de investimentos.
Como referência, em julho de 2018, a revista Forbes apontou que ele faturara US$ 90 milhões nos 12 meses anteriores. É o terceiro jogador de futebol mais bem pago do mundo, atrás de Messi e Cristiano Ronaldo.
Não existe família normal — talvez só as disfuncionais sejam. Portanto, não se recomenda criticar as opções das famílias alheias. Mas é difícil não identificar problemas na forma com que Neymar da Silva Santos, pai e empresário, conduz a vida de seu Júnior. Desde a estreia no profissional do Santos, aos 17 anos, ficou claro que era um menino mimado, que desconsiderava limites (de treinadores, árbitros, colegas) e regras. Foi vendido para o Barcelona numa negociação em que se sonegou parte do dinheiro. Péssimo exemplo dado pelo pai. De acordo com o processo na Espanha, Neymar pode até ir preso.

NEYMAR PRECISA SALVAR A SI MESMO
Na seleção brasileira, é o camisa 10 desde 2013, chegou a ser capitão, tornou-se mais poderoso do que os técnicos. Mesmo Tite precisou engolir o linguajar de palestrante sabe-tudo e aceitar os privilégios do craque. Embora tenha tido bons momentos nas duas Copas do Mundo que disputou, Neymar não foi decisivo para que o Brasil as conquistasse. Ainda está longe de ser um protagonista da história da seleção.
Na noite desta quarta 5, no hospital para onde foi após se contundir na partida contra o Qatar, em Brasília, o craque recebeu a visita de Jair Bolsonaro. O presidente disse: “É um garoto que está num momento difícil, mas eu acredito nele”. De novo a ideia de que é um “garoto”. Tem 27 anos, é pai, figura internacional e continua sendo tratado como um inimputável.
Neymar durante a Copa do Mundo da Rússia Foto: Francois Nel / Getty Images

Bolsonaro deu seu apoio ao atleta três dias depois de lamentar a morte de Tales Volpi, o MC Reaça: “Será lembrado pelo dom, pela humildade e por seu amor pelo Brasil”. Volpi se matou após espancar a jovem que está grávida de um filho seu.
A solidariedade do presidente, alias, tem ares fúnebres. Bolsonaro vem tomando decisões e fazendo propostas de apoio à morte contra a vida: liberação do porte de armas; redução das multas de trânsito; fim da obrigatoriedade do uso de cadeirinhas para crianças nos carros; apoio ao desmatamento; violências contra a educação. Para se salvar de si mesmo e dos que o cercam, Neymar precisa de vida, de boas ideias, de maturidade. Caso contrário, será sempre um Peter Pan sombrio.
Sobre o confuso caso envolvendo a modelo Najila Trindade Mendes de Souza, ainda é necessário, na manhã desta quinta 6, manter estendido o benefício da dúvida a todos: à modelo, ao ex-advogado dela, ao jogador, ao pai dele. Mas uma coisa é certa: os dois Neymares cometeram outro grave erro ético (e, possivelmente, criminal) ao expor a troca de mensagens entre o jogador e a modelo.
Neymar ainda pode se sagrar um gênio dos campos, ganhar Copas, transformar-se em ídolo. Mas nada disso apagará o vaticínio de René Simões. O menino virou homem sem ser educado para tal. Tornou-se um monstro. Porém, ainda é jovem, tem pela frente uns dez anos de carreira e muito tempo de vida. Pode reconhecer que as nuvens permanentes sobre sua cabeça não o perseguem, e sim que ele as atrai graças ao que faz. Se não mudar, pode até parar numa cadeia. Não combina com Peter Pan.

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