Edgar Moreno: esses meninos

É dezembro, e o finzinho de 2014 me leva a rabiscar a última crônica do ano. Muito me ocorreu e isso teima em reprisar-me como um filme. Mas não quero ficar tecendo retrospectivas, isso deixo para as emissoras de televisão ou a meus editores no editorial do mês. Prefiro arriar os óculos por uns instantes e me importar desses meninos aqui da minha rua.
Agora eles são um bando. E outros há que não sei ao certo de onde são. E ficam a correr em suas bicicletas nada novas. Acho que o Papai Noel deles não está com essa bola toda! Ou nunca esteve. Mas o incrível é que nem os calhaus que montam (inadequados para sua idade), nem suas roupas simples, nem seus corpos sujos são capazes de apagar-lhes o sorriso, de afetar a felicidade que os habita desde os pés descalços ao bonezinho suado na cabeça. Essa liberdade de ir e vir para cima e para baixo, de correr a rua inteira gritando uma frase besta e qualquer, de pôr a bike no muro para alcançar goiabas verdes, de passar com seus carangos a poça de lama do baixão, isso para eles significa o maior barato, ou como se diz virtualmente “é top”, embora às vezes a noção de perigo seja tão iminente para mim, quanto invisível para eles. E isso é o que me obriga agora a desconcentrar-me da frase para ralhar com um deles que, já em grande altura, escala o poste, rente ao muro. Ai, que susto! Que moleque sem juízo!
−Desce daí, menino! – tenho que ser duro para evitar o pior. Ele obedece, mas em compensação todos eles somem dali para outras ruas. E a perca é toda minha. Mas logo surge o Rhuan, a quem chamo “Bruno”. (A meu ver, esse é o nome que combina com o moleque. Tenho esse hábito de trocar os nomes das pessoas a partir de suas feições e modos, sobretudo das crianças. Assim os primos Vítor e Pablo já até se habituaram, ainda que com certa contrariedade. Ora, veja, pois: Pablo deve ser o mais gordinho e escuro, enquanto Vítor combina melhor com o clarinho, franzino e saliente, se bem que no quesito ‘saliência’, ambos empatam. Wanderson, o vizinho do baixão, achei por bem chamá-lo Miguel, pelo moleque ser magrinho, claro e obstinado. Já os gêmeos Ítalo e Ícaro, nunca sei de fato, quem é quem, portanto, com eles meu hábito é uma questão de sorte).
Mas voltando à cena, lá está o “Bruno”. O moleque me disse certa vez que quando adulto queria ser policial. Quis saber por quê. E ele não hesitou na resposta: “Pra matar ladrão”. Tentei explicar que o papel da polícia não é matar, mas proteger, todavia não sei até que ponto o menino acreditou em mim. Já seu irmão – cujo pai é outro, mas nenhuma das crianças tem em casa a figura de pai que não a do avô – foi mais sonhador, e disse em sua pequena gagueira:
−Eu `ero `êr úper ômi. – entendi da criança o sonho de voar, salvar pessoas do perigo, ser útil à humanidade. Mas concluí que a real intenção do guri era ser superior aos bandidos e assim poder exterminá-los com seus poderes de “super-homem”.
Ergo as vistas. Torno a vê-los surgir na esquina do frigorífico. Amontoam-se. Um dos gêmeos lidera o papo. Mas como a lei deles seja ágil como os tais, logo se debandam e já pedalam cá perto tomando corrida, “Jluizinho” e “Pablo”. Somem todos de novo...


Recobro-me. Torno ao topo da folha. Vejo que meu maior motivo já não é a crônica, mas, esses moleques felizes. Releio o texto. Acho-o gracioso. E uma coisa me chama a atenção: é um escrito singelo e doce, sem adulto que não um cronista intruso embebido nesses pequenos gestos. Talvez por isso o tenha vindo tão fluidamente. Melhor, pois, é fechá-lo já. Assim estimo que minha última crônica de 2014, leve ao novo ano um ar de bom e doce recomeço e que sejamos todos felizes como essas crianças.

Por Edgar Moreno
COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar Moreno.

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