Edgar Moreno: Um passeio pela cidade

É sábado. Astrogildo resolve abandonar as tarefas do dia e dar um passeio pela cidade. Mas por que passear, com tanta coisa por fazer? E quem tiraria do seu precioso tempo para tão só e simplesmente fazer um passeio pela cidade? E logo Bacabal!? E o que tem aqui para se ver, fotografar, botar na bagagem do turista? Que turista? Algumas coisas não se explicam, elas simplesmente acontecem.
E é isso que está acontecendo. Eu, cá, no meu canto, tentando extrair das teclas do meu computador “alguma ideia”, como também tentou Aline Freitas em seu último artigo; e eu cá, enfiado numa difícil, mas nobre missão: escrever a crônica do mês. Alguma coisa, porém, me diz que a crônica não está nos teclados, nem nas canetas-tinteiro, ou nas laudas em branco de um papel A4, mas pode estar num papel de embrulho, num papel de pão ou num pão sem papel; a crônica está lá fora, nas ruas, na esquina do bordel, acima de qualquer suspeita, debaixo da ponte a correr água abaixo para além da imaginação; a crônica está no olhar de um pedinte, no gesto incontido de uma mãe, numa rua vazia, na multidão ou pode estar soluçante e charmosa, arraigada no seio d’alma humana. Então, a crônica que busco já existe, mas é ainda um feto a se transformar em gente. Abortá-la? Jamais. Ela precisa vingar, crescer, falar o que ninguém fala, o que o povo sente, o que a arte exala... E se um pedaço dela já está em mim, o outro deve estar pelas ruas a fora para os rumos de Astrogildo. É com ele, então, que vou pari-la.
Astrogildo é um homem peculiar e disposto e já deve estar bem longe em seu passeio. Agorinha subiu pela Magalhães de Almeida e já foi logo vendo um rapazito altista na calçada da Igreja de São Francisco a brincar com as próprias mãos à sombra das amendoeiras. Mais adiante uma maternidade paira deprimida no silêncio do vigia a cochilar e bem à frente, uma escola também vazia, a cogitar no alunado a sede do saber. A farmácia está fechada, os bancos fechados, as lojas fechadas, as residências fechadas. Afinal, o que é que há? É o dia do comerciário. Mas olhando bem o centro, nem tudo está fechado. Há sempre um patrão a meia porta aberta e talvez um serviçal à espreita de um freguês desavisado. Já na periferia este dia festivo ao empregado não está no calendário. Astrogildo segue pelas ruas ermas e ver outras portas abertas. A funerária parece nunca fechar, está sempre no ponto aguardando qualquer vítima da violência local. E a Delegacia sempre cheia, põe-se muda a esperar um usuário de crack, um baderneiro da noite. O hospital único da city, numa enxaqueca crônica, põe-se a sedar sua própria dor. Veja-se, há tempos aquele semáforo, sem cores e luminárias, emite o sinal de alerta de um perigo iminente; é a lei do bom senso a reinar naquela esquina.

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Astrogildo passa uma esquina, mais uma e outra mais. Quantos passos! Quantos braços! Quantas vidas daqui e d’além a transitar no cotidiano desta ribeirinha cidade, cujo rio seco, cuja gente boa, cujos bares todos, cujas praças ermas, cujas casas baixas vão ficando atrás. E Astrogildo em frente. Agora vem do Ramal, onde os velhos galpões de outrora, agora se projetam em igrejas e depósitos ou em simples moradias. Um breve olhar à direita trás de ainda ontem, lá da Gráfica Dimensão uma frase do editor:
− E a crônica?
Astrogildo bem que poderia fazer minhas vezes, deixando ali mesmo esta menina-crônica. Não ainda, pois estando ela apenas concebida, precisa de algum modo se materializar, só então segue ao prelo. E agora a ti, leitor.

Por Edgar Moreno
COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar
Moreno.

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