Para cada real gasto em internações hospitalares, estimamos que outros cinco sejam perdidos em produtividade, reabilitação e custos sociais. Leia o artigo!



Não pelos números em si, mas pela frieza estatística que esconde uma realidade brutal: estamos normalizando tragédias cotidianas nas ruas brasileiras.
Esse montante representa apenas a ponta do iceberg. Para cada real gasto em internações hospitalares, estimamos que outros cinco sejam perdidos em produtividade, reabilitação e custos sociais.
Estamos falando de um rombo real que pode ultrapassar R$ 2,5 bilhões anuais apenas nos custos diretos à saúde pública.
Mas estes números, por mais alarmantes que sejam, não capturam a dimensão humana desta catástrofe anunciada. Cada acidente grave que resulta em internação hospitalar custa em média R$ 15 mil ao SUS.
Com esse mesmo valor, poderíamos instalar 50 radares de velocidade ou capacitar 300 condutores em direção defensiva.
A matemática é cruel: gastamos demais no tratamento das consequências, mas investimos quase nada na prevenção das causas. É como enxugar gelo enquanto a torneira continua aberta.
Esta inversão de prioridades revela uma escolha política perversa: preferimos pagar para tratar os destroços humanos a investir para evitá-los.
É mais barato politicamente inaugurar um hospital do que explicar por que precisamos de radares, lombadas e fiscalização rigorosa.
Os dados são ainda mais devastadores quando analisamos quem está morrendo: 60% dos gastos hospitalares são com motociclistas, uma população economicamente ativa entre 18 e 35 anos. Não estamos apenas perdendo vidas; estamos perdendo a força produtiva do país.
Cada jovem que fica com sequelas permanentes representa décadas de produtividade perdida e custos crescentes com aposentadorias precoces e cuidados especializados.
Estes jovens não são estatísticas. São filhos, pais, irmãos que saíram para trabalhar e não voltaram inteiros para casa. São sonhos interrompidos, carreiras destruídas, famílias que se endividam para custear tratamentos que o Estado deveria prover adequadamente.
O espelho internacional da nossa vergonha
Países como Suécia e Holanda reduziram suas mortes no trânsito em 70% nos últimos 20 anos, enquanto nossos custos hospitalares cresceram 49% no mesmo período.
Isso prova que a tragédia brasileira não é inevitável – é uma escolha política. Com investimento adequado em fiscalização, infraestrutura e educação, poderíamos economizar pelo menos R$ 135 milhões anuais no SUS e, mais importante, salvar milhares de vidas.
A diferença não é tecnológica ou econômica. É de prioridade política e vontade social. Enquanto países desenvolvidos trataram a segurança viária como questão de Estado, nós a tratamos como “acidente” inevitável.
O custo real para cada brasileiro
Estes R$ 449 milhões não saem do ar. Saem do seu bolso, do meu bolso, de cada contribuinte brasileiro. Quando uma vítima de acidente ocupa um leito de UTI por semanas, não há vaga para quem precisa de cirurgia cardíaca.
Quando recursos são desviados para tratar traumas evitáveis, faltam medicamentos para tratamentos oncológicos. Cada real gasto com acidente de trânsito é um real que não vai para educação, para prevenção de doenças, para melhoria da infraestrutura.
Estamos diante de uma epidemia silenciosa que mata mais que muitas doenças consideradas prioridades de saúde pública.
A diferença é que os acidentes de trânsito são 90% evitáveis. Precisamos de uma mobilização nacional similar à que tivemos na pandemia: recursos emergenciais, coordenação entre todos os níveis de governo e metas claras de redução.
Cada dia de atraso significa 95 famílias brasileiras destruídas por mortes evitáveis.
A urgência da saúde mental no trânsito
Se 90% dos acidentes são provocados por falhas humanas, precisamos urgentemente ampliar o papel dos psicólogos e médicos de trânsito na prevenção.
A avaliação psicológica atual, realizada apenas na obtenção da primeira habilitação para os motoristas comuns, é claramente insuficiente diante das mudanças pelas quais o ser humano passa ao longo dos anos.
A degradação da saúde mental dos motoristas é vista nas principais causas de acidentes: desatenção, agressividade e imprudência.
Já os motoristas profissionais, submetidos a jornadas extenuantes, desenvolvem quadros de ansiedade, depressão, uso de substâncias estimulantes e comportamentos de risco que se traduzem diretamente em acidentes fatais.
A implementação de programas de acompanhamento da saúde destes trabalhadores não é apenas uma questão de direitos trabalhistas – é uma medida de saúde pública que pode salvar milhares de vidas.
Investir na saúde física e mental dos condutores profissionais custa uma fração do que gastamos tratando as consequências de sua exaustão física e emocional nas emergências hospitalares.
Não podemos mais fingir que acidentes de trânsito são “fatalidades”. São consequências diretas de escolhas políticas ruins: fiscalização inadequada, infraestrutura deficiente, educação insuficiente, legislação permissiva.
Chegamos a um ponto de inflexão. Ou assumimos que a segurança viária é prioridade nacional, com recursos, políticas e fiscalização adequadas, ou assumimos que aceitamos esta tragédia cotidiana como “custo do desenvolvimento”.
Quando analiso estes R$ 449 milhões, não vejo apenas números orçamentários. Vejo o reflexo de uma sociedade que perdeu a capacidade de se indignar com o inaceitável.
Vejo recursos públicos sendo desperdiçados em uma tragédia evitável enquanto faltam investimentos em áreas essenciais.
Vejo pais que não voltam para casa, filhos que crescerão sem seus provedores, cônjuges que se tornaram viúvos por nossa negligência coletiva.
A diferença entre um país civilizado e um país bárbaro não está no PIB per capita. Está na capacidade de proteger seus cidadãos de ameaças evitáveis. Está na prioridade dada à vida humana sobre conveniências econômicas ou políticas.
O trânsito brasileiro não é um acidente. É uma escolha. E todos os dias, com nossa omissão ou nossa ação, escolhemos quantos brasileiros morrerão hoje.
Por *Adalgisa Lopes. *Adalgisa Lopes é especialista em segurança viária, psicóloga especialista em Trânsito e presidente da Associação das Clínicas de Trânsito de Minas Gerais (Actrans-MG). Fonte: https://www.portaldotransito.com.br
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (Lei nº 9.503/97)
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A VIOLÊNCIA DO TRÂNSITO TEM JEITO, é só as autoridades implementarem os remédios eficazes: Educação para o Trânsito, Fiscalização ampla e rigorosa e uma boa Infraestrutura das vias.
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