Rogério Alves: Funil profissional

Restrições à atuação de advogados leva grupo a propor reorganização da profissão
Rogério Alves, advogado - Um grupo de advogados de São Paulo está defendendo um modelo polêmico de reorganização da Advocacia. Em vez de poder praticar todo e qualquer ato, depois de admitido na Ordem dos Advogados do Brasil, o profissional teria que vencer etapas e só com a experiência e conhecimento suficientes poderia, afinal, atuar junto aos tribunais superiores e Supremo.

Seria uma espécie de contramedida: antecipar-se ao movimento dos tribunais que têm criado gradativas restrições a todos os advogados. Os defensores da ideia enxergam no formato atual o aumento de dificuldades de relacionamento entre causídicos e juízes.

E reorganização em "carreiras" faria com que os recém-formados, por alguns anos, só poderiam atuar em primeiro grau. E, à medida em que fossem ganhando horas de voo, estariam habilitados para missões mais complexas.

Segundo o advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, esse formato já é seguido em diversos países, como Inglaterra, França e Japão, e em alguns estados americanos. No Brasil, porém, qualquer bacharel aprovado no exame da OAB pode fazer sustentação oral nos tribunais superiores livremente.

O plano é elaborar um anteprojeto de lei para ser levado ao Congresso por algum parlamentar sensível à causa, mas não é uma pauta simples. Reformular a carreira vai abrir as portas para críticas sobre elitização da profissão, por causa da limitação do campo de ação dos novatos. Em 2020, 30% dos advogados tinha menos de cinco anos de formado. E 60% não chegava a uma década.

A chamada Jovem Advocacia atua engajada na OAB. Ela se organiza em comissões cujos presidentes se reúnem em um colégio que tem sido incluído em discussões relevantes, como, por exemplo, a regulamentação sobre publicidade e propaganda de advogados. Já houve, inclusive, pedido de cotas para jovens em conselhos e comissões da entidade.

Reflexão válida
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular e livre-docente na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Ricardo Lewandowski, a discussão é válida. Ele diz que é possível vislumbrar três degraus a serem estabelecidos para a advocacia: primeira instância; tribunais de segundo grau; e, por fim, tribunais superiores. "Sempre observando um interstício de pelo menos cinco anos entre as etapas."

O advogado Técio Lins e Silva, por sua vez, concorda que o debate é bom e menciona o modelo adotado por alguns países, em que o direito de advogar na Suprema Corte tem numerus clausus (limite máximo de indivíduos que podem ser admitidos). "Isto é, alguém só entra no grupo com a saída de algum outro membro". Contudo, Técio não vê chances da ideia prosperar.

Na opinião do advogado José Roberto Batochio, a alternativa anglo-saxônica de solicitors e barristers, de fato, funciona muito bem em países dessa cultura. Solicitor é o advogado que representa clientes nas instâncias ordinárias, ou seja, é quem faz o primeiro atendimento. E o barrister pode atuar nas cortes superiores, mas para isso precisa ser admitido por uma das Inns of Courts.

No entanto, a situação brasileira, alerta Batochio, é muito diferente. Aqui, advogados devem ser pacientes com juízes, mas a recíproca pode ser saudável também. "O formalismo e a burocracia não precisam se opor à evolução pedagógica. O aperfeiçoamento da democracia tem suas dores, como a isonomia. Quando certo político inglês queixou-se da democracia com Churchill por haver este perdido as eleições após haver vencido a Segunda Grande Guerra e derrotado os nazistas, ouviu esta resposta: 'Democracia é isto, o povo tem todo o direito de escolhas, mesmo a de nos enxotar do poder…'. Pergunto também: e os juízes mais jovens ou menos preparados? Seriam divididos por categorias também? Seriam excluídos de julgamentos importantes? Vamos estratificá-los também? A refletir."

Ministro Ricardo Lewandowski apontou hipótese de dividir atuação em primeira instância, tribunais e cortes superiores. Nelson Jr./SCO/STF

Sustentações melhores
O presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, Mário Luiz Oliveira da Costa, disse que já está em curso uma tentativa de sensibilizar tanto a advocacia quanto o Judiciário sobre a necessidade de melhor organizar as sustentações orais, em benefício de todos.

"Em se tratando dos chamados tribunais superiores, o tema é ainda mais delicado. Fala-se, por exemplo, em restringir a atuação a advogados com mais tempo de inscrição na OAB, mas, a par de outros possíveis problemas, isso não seria garantia de sustentações mais qualificadas, apropriadas ou eficazes", disse ele.

A celeuma foi potencializada pela aprovação da Lei 14.365/2022, que alterou trechos do Estatuto da Advocacia, do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal para ampliar as hipóteses de sustentação oral.

As adaptações ao modelo telepresencial feitas durante a epidemia da Covid-19 também geraram complicações: há casos de advogados repreendidos por aparecerem em vídeo mal vestidos, por se conectarem de dentro de seus carros e até — nesse caso, por falta de sensibilidade do magistrado — obrigados a participar de audiência mesmo estando internados em hospital.

No Superior Tribunal de Justiça, a explosão de sustentações orais levou a manifestações dos ministros implorando por consciência sistêmica. Há casos como o da 3ª Turma, que transfere todos os julgamentos com pedido de sustentação oral em agravo interno para o sistema virtual. A insatisfação dos ministros é evidente.

"Uma entre as várias possíveis alternativas cogitadas seria mudar por completo o mecanismo da sustentação oral. Algo menos formal e mais direto como, por exemplo, dar dez minutos para o advogado tratar dos três pontos principais do caso", disse o presidente da Aasp. "Os advogados mais experientes já costumam proceder dessa forma. Não adianta discorrer sobre diversos pontos na sustentação oral, com o que os julgadores acabam não acompanhando ou compreendendo bem nenhum deles. É preciso focar no que realmente interesse, de forma clara e objetiva, para o quê, em geral, dez minutos são suficientes", completou ele.

E os cursos de Direito?
A OAB Nacional mantém a postura de defender irrestritamente as prerrogativas dos advogados, inclusive a expansão do cabimento da sustentação oral. Por outro lado, vem há anos tentando arrancar pela raiz o mal que aflige toda a classe: a proliferação de cursos de Direito pelo país.

Em 2015, um levantamento da OAB apontou que o Brasil, sozinho, tinha mais cursos de Direito do que o resto do mundo inteiro. Dados publicados pelo jornal Folha de S.Paulo neste ano mostram que nove em cada dez instituições que oferecem o curso de Direito no Brasil aprovam menos de 30% dos seus alunos no exame da Ordem.

A questão é destacada também por quem defende a reestruturação da carreira. "A razão disso é a má qualidade do ensino", aponta Mariz. "É para coibirmos esses excessos que estão prejudicando inclusive a imagem da advocacia, queremos organizar a profissão em carreiras de acordo com numero de anos de formatura.

"Danilo Vital, Revista Conjur.

Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 9 de dezembro de 2022.

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