Antônio Melo: A Justiça é cega ou caolha?


Antônio Melo, jornalista - Um levantamento de O Globo jogou luz em cima do problema: de 2007, quando um avião da TAM atravessou a pista de Congonhas e foi explodir do outro lado até a queda de um prédio no centro de São Paulo, ano passado, foram dez grandes casos em seis estados, 1774 mortos. Nessas contas não estão incluídas, até porque recentes, as mais de 300 vítimas fatais da Vale –de novo ela- em Brumadinho, nem os 10 garotos imolados no altar da Toca do Urubu, cicatriz que deveria ser eternizada na camisa gloriosa do Flamengo, como lição para nunca ser esquecida. Acrescente-se a essas tragédias todas as 2572 mortes em enchentes, de acordo com o mesmo jornal, mesmo que todas as áreas de risco já estivessem mapeadas.
Recentemente o ministro da Justiça, Sérgio Moro, anunciou seu projeto de tornar constitucional a prisão em segunda instância. (Pensei que já era). Aliás, coisa que valia só para os pobres. As cadeias estão aí cheias deles para provar isso.
Mas, voltemos ao princípio. Quando ocorrem eventos calamitosos como os citados acima, são apresentados projetos nos legislativos federais, estaduais e municipais, anunciam-se as mais espetaculares providências, CPIs, investimentos, inquéritos; mobilizam-se ministério público, polícias, ONGs; dão-se entrevistas coletivas, montam-se gabinetes de crise. Decorridos doze anos, ninguém, mas ninguém mesmo, dos responsáveis por essas catástrofes anunciadas e previsíveis, foi condenado.
A justiça é cega mesmo. Não totalmente. Talvez, caolha. Enxerga com um olho só. E esse mal, me parece, que o senhor ministro da Justiça, como um ex-integrante da magistratura, ainda carrega.
E por quê? 
Ora, Sua Excelência pode não ter visto ou não quis ver que o mal não está na falta do cumprimento da pena à partir da condenação em segunda instância, mas sim na morosidade dessa mesma justiça para condenar determinadas pessoas que mesmo sendo iguais as demais, para a justiça são diferentes. 
E nós, onde estamos? Por onde anda a nossa capacidade de nos indignarmos? De dizer basta? De cobrar de autoridades, sejam de que partidos forem, evangélicos, católicos, civis, militares, héteros ou homos as providências que têm de tomar? 
Chega de autoridades omissas; de juízes que fazem discursos para as câmeras e deixam a justiça se arrastar cúmplice da impunidade; de governos e prefeituras inoperantes, incompetentes; de operações policiais midiáticas; de policiais trabalhando acumpliciados com o tráfico de drogas; de milícias policiais substituindo o próprio estado e explorando os humildes.
Chega de nós mesmo, braços cruzados ou de dedo em riste pronto para apontar as falhas dos outros, mas incapazes de enxergar a nossa própria omissão.

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