Edgar Moreno: Carta - Crônica à Adelaide

Por Edgar Moreno

COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar Moreno.

Minha doce e bela Adelaide,


Não sei que possa eu te dizer para me justificar do longo tempo em que não te escrevo. Recorrendo às velhas cartas pude verificar que a minha última missiva para ti data ainda de março, quando então, naquelas oito laudas, parabenizava-te pelo dia internacional da mulher, falava-te da minha estreia como colunista no Jornal O Mearim, dentre outros pormenores que somente a nós interessa. Coisas do coração, da alma, do desejo...

Mas há ainda outro fato em que pequei contra ti, minha flor, e isto me data também de março, e certamente te seria mais ainda imperdoável se tanto não me compreendesses como me compreendes, se tanto não me amasses como me amas.

Tu bem o sabes do que falo, minha flor, e comigo hás de concordar ser uma vergonha levar isso a público ─ isto vai também como uma crônica pra o meu leitor. Um homem que a uma mulher tanto ame não poderia assim fazê-lo. Mas esse fato o leitor não saberá, senão que, mesmo eu distante e um tanto negligente em nosso poético amor, por ti nutro uma afeição realizável e incompreensivelmente grande como o próprio infinito. Por maior poeta que fosse não teria eu a maior facilidade em pôr neste escrito o que por ti sente a minha rude alma. Rude para a dimensão e compreensibilidade do amor em seu mais profundo significado.

E agora que me vejo diante dessas teclas, mal posso esperar que logo venhas receber por estas minhas linhas o meu carinhoso e fortíssimo abraço, o meu delicado beijo e minhas prestimosas desculpas.
Sei que minhas justificativas já não te convencem, mas elas não são meras desculpas, são sinceras verdades.

De fato ando por agora bem atarefado. Digo-te a ti somente, e não ao leitor que já me vão mais de vinte dias que auxilio com um velho amigo na direção de uma escola, compreendendo assim não apenas um ou os dois turnos de antes, mas os três do dia. Tanto que até a crônica de agosto já me tinha relaxado de fazê-la. Chego até a me desconhecer, minha Adé, pois como sabes as Letras nunca me cansam. E por que agora haveria eu de delas esmorecer? Quem sabe tu me respondas que “quem toca o sino não pode acompanhar a procissão”, ainda que eu teime em consegui-lo.

Vê tu, minha Adé, que agora há pouco pela tarde, o Marcos Boa Fé, tendo de fechar o jornal, teve de me ligar para lembrar-me de meu compromisso mensal. Ah! Como eu me avexei, querida. De pronto pensei em desenvolver algo sobre a importância das respostas, mas, sobretudo, das perguntas na vida do ser humano. Como nos ensina o comercial de TV: o que faz girar o mundo são exatamente as perguntas, já que elas instigam respostas. Dentro dessa ideologia eu já até passei recentemente por uma situação semelhante e que dela já tinha pensado em fazer uma crônica. E vou mais à frente. Pensei também em questionar o tema “De quem é a culpa?”, que inclusive já rascunhara algo para o jornal. Contudo, eu precisaria de argumentos sólidos para não ter que ficar jogando a culpa em alguém. Melhor será que eu assuma a minha culpa ou minha falha, não achas minha flor?

Deixemos também esse tema para adiante e façamos de tua carta minha crônica do mês.

E tu me entendes por isso, só não sei se o leitor fará o mesmo. Creio que sim, pois nada como fazer das notícias do dia o motivo maior do nosso questionamento, realização e descobertas. Pois que descubram de já o nosso amor. Quem não o teve em tamanha proporção senão o glorioso Camões, o lírico Gonçalves Dias e sua Amélia, o jovem Álvares de Azevedo e suas virgens inatingíveis ou pastor Dirceu com sua Marília bela?

Quem, pois, há de culpá-los pelo palpitar do amor? Pelos sonhos sonhados? Pela criação poética? O redator? O poeta Morais Pessoa? Tu, meu leitor, certamente não será, se como minha doce Adé, alguém já amaste.

Um beijo caloroso do teu Edgar.

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