Edgar Moreno: Bacabal de outrora

A comentada Bacabal já ditava fama pelas freguesias de perto e de longe, seduzindo gente dos mais diversos confins, sobretudo do Ceará, Piauí e da Paraíba. Eram famílias inteiras de retirantes, fugidas da seca, que para cá vinham atraídas pelas terras férteis e aconchegantes do Vale do Mearim. Aqui eram recebidas, iam ficando e fazendo vida.


−Vão tombém pro Bacabal do Mearim? O povo diz que lá é terra muito boa de fazer vida. – comentava um chefe de família com outro ao se toparem na lamacenta estrada da Caxuxa.


No outro dia à tardinha, o relato de Pai Honório sobre as origens da cidade, continuaria entre a ficção e a realidade. Ocorre que Alicinha veio correndo pela areia quente do rumo do Cais da XV de Novembro, adentrou a humilde casa de palhas na Rua da Salvação, onde morava com sua família, e foi anunciando mais uma novidade bem prosaica da época:


−Pai, chegou mais gente. Eles tão arranchados lá perto da Rua do Quebra Coco, dizia a menina toda ofegante e feliz a roer um caroço de coco babaçu.
O pai ri e abraça a filha e, retomando a tinta e o papel sobre a mesinha de pau d’arco, volta às suas reminiscências e vai conseguindo descrever o que para ele seria um raro tesouro para as novas gerações:


O Mearim, como uma gigantesca serpente mexia-se em suas águas fartas, engrossando os cardumes de branquinhas, curimatás, traíras e mandis, os quais, como que brincantes e felizes, ficavam a saltitar e a nadar pelo leito escuro e fundo do nosso perene rio. Em maio, com o baixar das águas, os vazanteiros tomariam posse do limo deixado pela enchente para plantarem cereais e hortaliças.

Enquanto isso no cais da XV, as embarcações atracavam e seguiam rota de vez em quando à capital São Luiz, a Arari ou então aceleravam seus motores a subir para Ipixuna e Pedreiras. Gente grande e miúda, porcos, galinhas, comestivas, retirantes e os próprios barqueiros lotavam as lanchas, vapores e canoas, que ficavam a apontar e a sumir por entre as bacabeiras e as árvores ribeirinhas que guarneciam o pontão da Bacabal de outrora.

Toda a beira do rio se estendia inquieta, desde o pontão flutuante, subindo as águas para o sul até o “Porto do Por Enquanto”, estirão de terra onde pescadores, passageiros, arrumadores e fidalgos do comércio e da indústria local davam ao logradouro um ar de intensa circulação de gente, que ia e vinha com empórios diversos a transportar.

Na Rua do Trilho desciam ziguezagueando em seus rangidos longitudinais os vagões lotados de fardos bem-feitos de algodão da melhor qualidade, beneficiados que eram pela Usina Contonière, adquirida depois pela Chames Aboud, situada no Ramal, onde futuramente funcionaria a Antarctica e a Itapemirim.

O velho homem, tomando um fôlego em seu texto, foi ao pote molhar a goela e continuou em sua simpática e capciosa missão:

Os antigos e enormes galpões industriais, as fachadas comerciais e residenciais de grossas paredes e rodapés em relevo, dispersos desde a ponte de concreto de 1957 até o fim do Ramal, se ainda são, hoje, testemunhas de um ciclo econômico marcante, cogito em deixar isto escrito a que tais cenas ao serem abandonadas pela memória, ou se perderem nas pândegas, bares e conversas fiadas, fiquem gravadas nestas folhas, ainda que anônimas nesta gaveta fria...


−Acorde, pai, o homem quer falar com o senhor, disse Alicinha mostrando um senhor bem trajado.

COSTA FILHO, João Batista da que também representa o heterônimo Edgar
Moreno.

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